"Trauma é uma ferida psíquica que te endurece psicologicamente e interfere em sua capacidade de crescer e se desenvolver. Isso causa dor e agora você está agindo de maneira dolorida. Isso induz ao medo e agora você está agindo por medo. (...) Trauma é aquela cicatriz que torna você menos flexível, mais rígido, com menos sentimentos e com mais defesas." Gabor Maté
O conceito de trauma surge no campo da medicina. É um termo usado para definir lesões causadas por um evento externo ao corpo e que acontece de forma inesperada. Em 1895, no Projeto para uma Psicologia Científica, Freud se apropria desse termo para se referir a acontecimentos vividos pelo sujeito que produzem sintomas psíquicos.
Nos primeiros anos da infância vivemos um estado de vulnerabilidade, dependência e falta de recursos cognitivos e emocionais. Ainda não temos maturidade para compreender e não sabemos nomear algumas de nossas vivências infantis. Experiências que podem ser sentidas como rejeição, abandono, violência, invasão, abuso, adquirem um efeito traumático. A impossibilidade de lidar com essas experiências ativa mecanismos de defesa, que ocultam as memórias e separam as experiências traumáticas das emoções sentidas no corpo. Os traumas vividos nessa fase da vida na maior parte das vezes ficam encobertos por outras memórias. A experiência traumática infantil permanece velada, é esquecida, mas continua a nos influenciar ao longo vida. Quando outros acontecimentos com potencial traumático são vividos, o trauma infantil é reanimado, criando uma rede de conexões entre eventos traumáticos da vida adulta e traumas infantis.
É importante ressaltar que um acontecimento traumático não tem características intrínsecas que o definam, e ele não precisa ser reconhecido por outros como um trauma. Pelo contrário, é singular e diz respeito à maneira como cada um sente e vive suas histórias. A própria impossibilidade de transpor para linguagem as vivências do corpo, das relações com o mundo e a realidade pode ser traumática.
Uma memória traumática que é esquecida, silenciada, continua viva dentro de nós, ainda que não tenhamos consciência disso, e ela se manifesta através dos sonhos, de um sentimento de aprisionamento angustiante e da formação de sintomas que insistem em se repetir. Enquanto não recordamos essas memórias dolorosas, ficamos aprisionados a esses comportamentos repetitivos. Quanto mais experimentamos a vida como esse ciclo de repetições, mais temos a sensação de que estamos parados, de que não conseguimos avançar.
Na psicoterapia nos dedicamos a tentar nomear, dar contorno, sentido e destino para nossas experiências. Recordar, relembrar, rememorar, retornar à origem dos sintomas, em um processo que pode ser dolorido e trazer à tona sentimentos de raiva, insegurança, medo da exposição, da rejeição e do abandono. Contudo, à medida que vamos nos aproximando das experiências traumáticas na psicoterapia, partes feridas e antes ocultadas pelos mecanismos de defesa podem ser retomadas e elaboradas. Esse movimento de retorno ao passado acontece através da perspectiva do presente, e é possível criar brechas nos ciclos repetitivos e avançar na direção de nossos desejos de futuro.
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