O desejo de ter filhos é uma ideia vai se construindo em nós desde a infância. Ela surge na esteira de perguntas sobre nossa origem e nossa finitude, os questionamentos infantis sobre o nascimento e a morte. Ao se questionar sobre sua origem, a criança se pergunta sobre o desejo dos pais de trazê-la ao mundo, e nessa relação com os pais vai se forjando sua fantasia sobre ter filhos. Podemos nos situar entre a idealização e a aversão pela maneira como nossos pais cumpriram essa função. Ou seja, podemos querer ser como os pais, tomá-los como exemplo, ou querer fazer exatamente o contrário do que eles fizeram. Além disso, nosso desejo de ter filhos também é atravessado pela época em que vivemos. Cada época confere um valor específico aos filhos, e nosso desejo é atravessado pela cultura, expectativas e relações sociais do nosso tempo.
O momento da chegada da criança ao mundo é extremamente sensível, porque é nesse momento que a mãe irá confrontar a sua fantasia sobre o filho imaginado e idealizado com a realidade. Certamente o filho real é diferente da idealização, assim como esta mulher não será a mãe que ela idealizou em sua fantasia. É necessário um trabalho de luto da fantasia, e há um estranhamento natural nesse encontro. A delicadeza e dificuldade do puerpério está relacionada a esse duplo luto pelo qual a mulher terá que passar. Mas é cuidando desse bebê desconhecido e criando uma forma singular e própria de se tornar mãe que o amor poderá surgir.
No começo, não é fácil para mãe entender o bebê e cuidar é um aprendizado. A maternidade se aprende na prática e em ato, então não se trata de se preparar para esse momento porque não há garantias, não há como prever como será o encontro mãe/bebê. O melhor é estarmos abertos para o desconhecido, para abrir mão das idealizações e para nos transformarmos nesse encontro.
Diante dessa difícil tarefa que é tornar-se mãe, nossa sociedade não tem oferecido às mulheres as condições para o exercício da maternidade. A cultura do nosso tempo vai no sentido inverso do que a criança necessita. Quem cuida de um bebê deve emprestar o próprio corpo e estar presente para atender as necessidades da criança, e isso vai na contramão das demandas sociais de produtividade, performance e administração do tempo. O tempo da maternidade (e da parentalidade, para incluir também os pais) é um tempo de estar simplesmente presente, deixando a criança explorar o ambiente e o corpo.
Na contemporaneidade os cuidados com a primeira infância vem sendo enxugados e o mais importante, saem do âmbito do coletivo, recaindo unicamente em quem assumiu o lugar de mãe e pai. A mentalidade cultural sobre a chegada do filho dificulta a tarefa, e essa falta de condições sociais para a parentalidade é um sintoma social do nosso tempo. Cuidar de uma criança é um trabalho que exige uma dedicação de 24 horas por dia, 7 dias por semana. Quem irá fazer esse trabalho, e ter condições para isso? Essa é uma pergunta para a qual a nossa sociedade não tem uma resposta.
Mesmo tendo seu lugar no mercado de trabalho e na vida pública, a mulher permanece socialmente sendo vista como esteio do cuidado doméstico e com os filhos, e exigi-se dela uma dupla jornada muito difícil de sustentar. A chegada do bebê e os cuidados com a primeira infância escancaram a falácia de que é possível ter 100% de performance em tudo que fazemos, em tudo que nos é exigido. Na contemporaneidade a questão de quem irá cuidar da criança segue descoberta, socialmente somos incapazes de dar uma reposta, e isso é causa de sofrimento e até mesmo adoecimento em muitas famílias, e particularmente, em muitas mães.